domingo, 5 de maio de 2013

Alergia: conhecer é preciso. Publicado por Christianne Alcantara


O médico Emanuel Sarinho é mestre em Saúde da Criança e do Adolescente e doutor em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor da UFPE, ele tem realizado pesquisas em Alergologia e Imunologia  Clínica e Pediátrica, estudando principalmente temas como asma, atopia, BCG, rinite alérgica, dermatite atópica e alergia alimentar. Nesta entrevista, ele explica o que é alergia, define os seus tipos e discute como o mundo moderno tem contribuído para o aumento do número de casos de pessoas portadoras de alergia.
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Coisa de mãe – Dr. Emanuel Sarinho, para começar, o senhor poderia explicar para nós, pais e mães leigos, o que é alergia?
Emanuel Sarinho – Alergia é qualquer reação estranha do organismo em que ocorra a participação do sistema imunológico. O termo alergia vem do grego e quer dizer “reação estranha e exagerada”.
Coisa de mãe – Há uma classificação das alergias?
Emanuel Sarinho – Há, sim. A alergia é uma doença sistêmica, ou seja, ela atinge todo o organismo. A depender do órgão que ela afete mais, teremos a respectiva denominação. Entretanto, às vezes, uma doença alérgica evolui para outra ou até se associa à outra. Então, no aparelho respiratório, as doenças alérgicas mais comuns que nós temos são a rinite alérgica e a asma. Na pele, nós temos a dermatite atópica e a urticária. Já no sistema gastrointestinal, a forma mais comum é a alergia alimentar. Nas crianças, a alergia à proteína do leite de vaca é o principal alimento causador dessa alergia alimentar. Nos olhos, também podemos encontrar a conjuntivite alérgica. Então, todos os órgãos do corpo podem apresentar essa reação exagerada do organismo que é reconhecida como alergia.
Coisa de mãe – Dr. Emanuel, a proteína do leite de vaca é um dos grandes vilões no caso de alergia alimentar, mas há crianças que têm alergia a outros alimentos também…
Emanuel Sarinho – É verdade. As proteínas que são usadas frequentemente na alimentação, a depender da predisposição da criança, podem causar alergia. A mais comum é a alergia à proteína do leite de vaca, mas há também alergia ao ovo, a crustáceo, que é muito comum em adolescentes, a peixe e a amendoim. Então, a gente tem de separar por faixa etária. Nas crianças até cinco anos de idade, os alimentos considerados mais alergênicos são a proteína do leite de vaca, o ovo, que é o mais relacionado à alergia de pele em menores de cinco anos, o trigo e a soja. Nos pacientes acima de cinco anos, crianças e adolescentes, o mais comum é a alergia a amendoim, à castanha ou a nozes, de forma cruzada, e a alergia a camarão ou a peixe. A diferença é que a alergia a amendoim, a camarão ou a peixe assume, muitas vezes, uma forma mais grave e ameaçadora que é a anafilaxia.
Coisa de mãe – Como se manifesta a anafilaxia exatamente?
Emanuel Sarinho – Na anafilaxia, pode haver um fechamento de glote, a pressão arterial pode cair a zero, a pessoa pode desmaiar e até morrer por problemas cardíacos e neurológicos.
Coisa de mãe – Qual é a diferença entre alergia e intolerância?
Emanuel Sarinho – A intolerância é qualquer reação negativa que o indivíduo apresenta em relação a um determinado alimento. Já na alergia existe uma participação do sistema imunológico. Por exemplo, para a alergia, existe teste alérgico e exame sangüíneo. No caso de intolerância, não existe o teste alérgico porque não existe a participação do sistema imunológico. Na imensa maioria dos casos, a alergia é à proteína que é a substância mais complexa e que, nutricionalmente, faz a criança crescer e se desenvolver. Já a intolerância é ao açúcar. Então, por exemplo, a intolerância à lactose é ao açúcar do leite e não à proteína. Quando a intolerância ocorre, geralmente é localizada no sistema digestivo. A intolerância à lactose só dá diarréia, vômito, cólica. Enquanto a alergia pode se manifestar em qualquer órgão. Então, no caso específico, o nome correto é alergia à proteína do leite de vaca. As pessoas que têm diarréia, cólica ou vômito em contato com o leite sofrem de intolerância à lactose. Não existe alergia à lactose.
Coisa de mãe – Existem alguns trabalhos científicos que afirmam que algumas alergias teriam relação com aspectos emocionais. O senhor concorda com essa teoria? Por exemplo, a asma, além dos aspectos imunológicos que o senhor mencionou, poderia se agravar num determinado doente devido ao componente emocional?
Emanuel Sarinho – A questão psicológica é extremamente importante. Desde o seu diagnóstico ao acompanhamento da criança. O primeiro aspecto, quanto à alergia alimentar, por exemplo, é que 80% das vezes em que se acha que a criança tem uma determinada alergia alimentar pode não ser uma verdadeira alergia. Muitas vezes é uma impressão errônea que faz apenas privar a criança de um alimento importante como o leite ou o ovo. Com relação ao leite de vaca, muitas vezes o diagnóstico é errado por parte do próprio médico. Pela imaturidade do sistema digestivo da criança, principalmente o primeiro filho, devido à ansiedade materna, pode apresentar muitas cólicas. Chega ao médico desavisado, como a criança só toma leite, a mãe diz que o problema é do leite e o médico suspende a proteína do leite. Por isso, é fundamental um diagnóstico com base científica, concreta. Com relação à asma, há trabalhos mostrando que as crianças com dificuldades emocionais apresentam quadro mais grave de asma e, principalmente, se forem adolescentes do sexo feminino. Nessa população, há um maior risco de morte pela asma, se houver problemas emocionais. Nós não podemos separar essas doenças como sendo só alérgicas. Há vários componentes. A alergia é um componente importante, mas o emocional também, assim como o estresse físico. Então, são vários fatores. A questão emocional é muito relevante e pode agravar os quadros de alergia.
Coisa de mãe – Diante dessa questão emocional, o senhor concordaria que, para os alérgicos, principalmente para as crianças na faixa até cinco anos, a socialização fica um pouco mais delicada? Ao mesmo tempo, não é mais difícil para os pais lidarem com os (as) filhos (as) alérgicos?
Emanuel Sarinho – Esse é um aspecto também muito importante porque, às vezes, no caso da asma, por exemplo, os pais proíbem as crianças de certas brincadeiras. Isso é totalmente inadequado. O que faz mal a criança é a vida sedentária. Prejudicial à saúde de uma criança é ela ficar trancada dentro de casa, o tempo todo vidrada no vídeo game, no computador ou na televisão. A vida ao ar livre deve ser estimulada e é boa para combater a asma. Então, brincar no parque, correr, ter amigos… Tudo isso deve ser estimulado para que a criança possa crescer mais saudável. Da mesma forma, ter amiguinhos, para que ela possa se socializar e se desenvolver com mais segurança. É comum que a criança asmática tenha uma privação da liberdade, o que traz prejuízos muito graves para o desenvolvimento psicológico dela.
Coisa de mãe – A natação é boa para criança asmática?
Emanuel Sarinho – O problema é que a Academia Americana de Pediatria recomenda que as crianças aprendam a nadar após os três, quatro anos de idade… Existe hoje um interesse comercial muito grande de que a população de bebês entre precocemente na natação. Até pela pressão da própria vida moderna. Acontece que muitas vezes essas crianças asmáticas também têm sintomas de rinite. Quando ela entra em contato com a água da piscina que nem sempre é adequadamente tratada ou mesmo quando a criança tem uma tendência a responder mais à mudança de temperatura, quando fica mais tempo molhada… Isso pode predispor a algumas infecções, principalmente ao resfriado. A partir do resfriado, a criança pode piorar a asma. Ou ainda o cloro, que irrita a mucosa, pode acentuar a rinite alérgica e desencadear a crise de asma. De forma geral, para as pessoas que têm rinite alérgica, a piscina pode não ser benéfica, principalmente até os cinco anos de idade.
Coisa de mãe – Tem havido um crescimento no número de pessoas alérgicas?
Emanuel Sarinho – A vida ocidental moderna acarretou um aumento das doenças alérgicas em todos os países desenvolvidos do mundo. Hoje, nós temos uma epidemia de alergia alimentar, de asma, rinite alérgica, dermatite atópica e de todas essas doenças em decorrência, provavelmente, das mudanças dos hábitos de vida. Tanto é que existe uma hipótese para explicar isso que é reconhecida como a hipótese da higiene. Antigamente, a criança andava descalça, pegava verme, pegava resfriado, pegava as doenças próprias da sua idade… E acredita-se que esses fatores protegiam o organismo. Ainda antigamente, as crianças comiam frutas frescas, não tinham acesso a tantos produtos industrializados e enlatados. Essa mudança na dieta, no comportamento, essa mudança no padrão de vida ocidental que criou um ambiente esterilizado, em que a criança não pode mais adoecer, não pode mais ter febre, não pode mais ter resfriado que é logo medicada, além do uso excessivo de antibióticos, são fatores que têm sido apontados como causas para o aumento das doenças alérgicas. Existe também o diagnóstico exagerado por parte de alguns médicos, mas, na realidade, mesmo excluindo os diagnósticos equivocados, as doenças alérgicas vêm aumentando em todo o mundo desenvolvido e, nesse ponto, o Brasil tem as coisas ruins dos países pobres, e uma camada da população também sofre com as coisas ruins dos países ricos.
Coisa de mãe – Que papel a amamentação pode desenvolver no combate ao crescimento do número de portadores da doença alérgica?
Emanuel Sarinho – O leite materno é o melhor alimento do mundo para as crianças e pode prevenir doenças alérgicas. Toda mamãe, sempre que possível e sempre que desejar o melhor para o seu bebê, deve amamentar exclusivamente até os seis meses de idade. Nos primeiros meses de amamentação, se ela ou o marido tem uma doença alérgica grave, é bom evitar os alimentos mais alergênicos e que não são tão importantes nutricionalmente, como amendoim, castanha, camarão, peixes. Quando a criança terminar seu sexto mês de vida e for iniciar a introdução a outros alimentos, é bom retardar a ingestão de ovo, fazendo com que ela só coma a gema do ovo após os nove meses e a clara, após um ano de idade. Oferecer sempre frutas e verduras, que são mais ricas nutricionalmente e têm menor grau de alergenicidade, também é fundamental.
Coisa de mãe – O senhor escreveu um artigo sobre a possibilidade de se prevenir em relação à alergia alimentar. Que estratégias podem ser desenvolvidas, por exemplo, por uma gestante, para evitar uma alergia alimentar nos bebês? Há realmente como se prevenir?
Emanuel Sarinho – Infelizmente, a maioria dos estudos dizem que a restrição alimentar não é eficaz para prevenir alergia no bebê. O que pode acontecer, quando se adotam restrições, é a mãe ficar desnutrida, fraca e não trazer nenhum benefício ao bebê.
Coisa de mãe – Para terminar a entrevista, gostaria que o senhor desse uma dica para os pais e mães que têm filhos alérgicos. Como eles podem lidar com a doença Alergia?
Emanuel Sarinho – O conhecimento sempre é algo libertador. Se o (a) seu (sua) filho (a) tem uma doença alérgica, você deve aprender tudo que existe sobre a doença e, a partir disso, assumir uma atitude positiva. Além disso, não se pode considerar a criança incapaz. Na realidade, talvez essas crianças alérgicas funcionem como sentinelas de que a nossa vida moderna está trazendo prejuízos e riscos à saúde humana. Existem trabalhos que sugerem que os doentes alérgicos teriam uma evolução imunológica maior. Por serem mais sensíveis, eles estariam denunciando ao mundo os erros ambientais que as pessoas estão cometendo, fazendo uso de tantos alimentos artificiais, levando uma vida confinada, com pouca exposição ao ar livre… Há outros trabalhos que sugerem ainda que a alergia pode prevenir contra doenças graves como câncer, embora essa hipótese ainda careça de confirmação.


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