Nossos
leitores mais experientes devem se lembrar do filme “Viagem Fantástica”, em que
uma equipe de cientistas e médicos são diminuídos para entrar no corpo de um
colega e têm apenas uma hora para drenar um coágulo no seu cérebro antes de
retornarem aos seus tamanhos normais.
O
que cientistas estadunidenses conseguiram desenvolver esta semana não chega a
ser igual ao roteiro da ficção científica, mas a ideia é a mesma – usar algo
pequeno para com concertar o corpo de dentro, com a vantagem de que nenhum ser
humano precisa entrar na célula.
Pela primeira vez na história da medicina, cientistas
foram capazes de colocar com sucesso nanomotores (coisa que não existia, e
sequer era imaginada, em 1966, ano do lançamento do filme) dentro de células
humanas vivas e guiá-los remotamente, com o uso de forças magnéticas.
A novidade representa mais um passo em direção à
criação de máquinas moleculares que poderão ser utilizadas, por exemplo, para
liberar drogas em locais específicos dentro do corpo, e proteger locais
saudáveis do organismo. Há um grande interesse da comunidade científica no
assunto porque essa nova técnica poderia aumentar os benefícios de inúmeros
medicamentos, minimizando seus efeitos colaterais.
No estudo, comandado por Tom Mallouk, professor de
química e física de materiais da Penn State University, nos Estados Unidos, as
partículas de metal em forma de foguete foram impulsionadas por meio de
ultrassom. “À medida que esses nanomotores se movimentaram e se chocaram com as
estruturas dentro das células, as células vivas apresentaram respostas
mecânicas internas que ninguém tenha visto antes”, conta Mallouk.
De acordo com ele, a pesquisa é uma demonstração viva
de que é possível usar nanomotores sintéticos para estudar biologia celular de
novas maneiras. “Podemos ser capazes de usar nanomotores para tratar o câncer e
outras doenças por meio da manipulação da célula mecanicamente a partir do seu
próprio interior. Os nanomotores poderiam realizar cirurgias intracelulares e
liberar drogas de forma não invasiva aos tecidos vivos”, completa.
Confira, no vídeo abaixo, uma demonstração com
nanobastões de ouro dentro de células HeLa (tipo de célula imortal usada em
pesquisas científicas).
Mallouk explica que, até agora, os nanomotores haviam
sido estudados apenas “in vitro” – ou seja, em aparelhos de laboratório – e não
em células humanas vivas. Em baixa energia ultrassônica, os nanomotores tiveram
pouco efeito sobre as células. Entretanto, quando a energia foi aumentada, os
pequenos motores se tornaram mais ativos, passaram a se movimentar bastante e
esbarraram nas organelas, estruturas dentro da célula que executam funções
específicas.
Traduzindo para uma linguagem mais cotidiana, os
nanomotores podem ser usados como se fossem batedores de ovo, para homogeneizar
a célula, ou como aríetes para perfurar a membrana celular.
Os pesquisadores foram capazes de orientar os pequenos
motores por meio de forças magnéticas. Também descobriram que as nanomotores
são capazes de agir de forma autônoma (independentes uns do outros), uma
habilidade muito importante para futuras aplicações.
“Esse movimento autônomo pode ajudar os nanomotores a
destruir seletivamente as células que os engolem”, descreve Mallouk. “Se nós
quisermos utilizar esses motores para procurar e destruir células cancerosas,
por exemplo, é melhor que eles se movimentem de forma independente”.
Ao descrever os potenciais usos da tecnologia, o
professor da Penn State cita novamente “Viagem Fantástica”. Segundo ele, a
aplicação dos sonhos seria algo no estilo do longa-metragem, em que nanomotores
fariam o papel da nave pilotada por humanos diminuídos e embarcariam em um
cruzeiro dentro do corpo, comunicando-se uns com os outros e realizando vários
tipos de diagnósticos e tratamentos.
A ideia de uma cirurgia em escala molecular já estava
presente em uma palestra do célebre físico Richard Feynman em 1959. Na época
ele afirmou que, embora fosse uma ideia “muito selvagem”, seria interessante a
possibilidade de se realizar uma cirurgia em que o cirurgião pudesse ser
“engolido”. “Você coloca o cirurgião mecânico no interior do vaso sanguíneo e
ele vai para o coração e dá uma olhada por ali. Ele descobre qual válvula está
com defeito, pega uma faca minúscula e conserta o problema”. Por enquanto, não
seria tão simples assim. Quem sabe no futuro; o primeiro passo já foi dado. [BBC News e Penn State News]
hypescience
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