AS ÚLTIMAS PESQUISAS em neurociências vêm apresentando evidências intrigantes de que os cérebros de certos tipos de criminosos são diferentes dos do resto da população.
Embora essas descobertas possam aprimorar nosso entendimento acerca do comportamento criminoso, elas também levantam algumas dúvidas quanto a see como a sociedade deveria valer-se desse conhecimento para combater a criminalidade.
Autora: Clara Moskowitz. Tradução: Camilo Gomes Jr. Fonte: LiveScience
A mente criminosa
Num estudo recente, um grupo de cientistas examinou 21 pessoas comTranstorno de Personalidade Antissocial [o que é vulgarmente chamado desociopatia] — uma condição que caracteriza muitos criminosos condenados. Os que têm esse transtorno “tipicamente não demonstram consideração alguma pelo certo e o errado. Eles podem violar a lei e os direitos de outros com frequência”, é o que diz a Mayo Clinic.
O escaneamento cerebral de indivíduos antissociais, comparado com o de um grupo de controle formado por pessoas sem quaisquer transtornos mentais, demonstrou uma redução de 18%, em média, no volume do giro frontal medial, bem como uma redução de 9% no volume do giro orbitofrontal— duas secções do lobo frontal do cérebro.
Outro estudo sobre o cérebro, publicado nos Archives of General Psychiatry de setembro de 2009, comparou 27 psicopatas — pessoas que sofrem de um transtorno de personalidade antissocial crônico — com 32 não psicopatas. Nos primeiros, os pesquisadores notaram deformações em outra parte do cérebro chamada amígdala, além de exibirem um afinamento da camada externa da região do córtex e, em média, uma redução de 18% desta parte do cérebro.
“A amígdala é o berço das emoções. Os psicopatas carecem de emoções. Eles não têm empatia, remorso, culpa”, disse o membro da equipe de pesquisa Adrian Raine, presidente do Departamento de Criminologia da Universidade da Pensilvânia, no encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência, no mês passado, em Washington, D.C., EUA.
Além de diferenças cerebrais, indivíduos que acabam sendo condenados por crimes não raro exibem diferenças comportamentais, quando comparados com o resto da população. Um estudo de longo prazo de que Raine fez parte acompanhou 1.795 crianças nascidas em duas pequenas cidades, desde os 3 até os 23 anos de idade. Nesse estudo, foram avaliados vários aspectos do crescimento e desenvolvimento desses indivíduos e constatou-se que 137 deles acabaram tornando-se criminosos.
Um teste com os participantes, quando tinham 3 anos, avaliou sua resposta ao medo — o que se denomina teste do medo condicionado —, associando-se um estímulo, como um som, a uma punição parecida com um choque elétrico, e, em seguida, medindo-se as respostas físicas involuntárias através da pele, assim que ouviam o som em questão.
Neste caso, os pesquisadores descobriram uma distinta falta de medo condicionado nas mesmas crianças de 3 anos que mais tarde vieram a se tornar criminosos. Tais achados foram publicados na edição de janeiro de 2010 doAmerican Journal of Psychiatry.
A base neurológica da criminalidade
No geral, esses estudos e muitos outros como eles pintam um quadro de significantes diferenças biológicas entre pessoas que cometem crimes graves e aquelas que não o fazem. Embora nem todas as pessoas com transtorno de personalidade antissocial — nem mesmo todos os psicopatas — acabem violando a lei, e, por outro lado, nem todos os criminosos satisfaçam os critérios para esses transtornos, o fato é que há uma correlação marcante.
“Ao menos em parte, há uma base neurocientífica para a causa da criminalidade”, disse Raine.
E mais: como demonstraram o estudo com crianças de 3 anos e outras pesquisas, muitas dessas diferenças cerebrais podem ser avaliadas bem cedo na vida, muito antes que uma pessoa possa desenvolver verdadeiras tendências psicopáticas ou cometer crimes.
A criminologista Nathalie Fontaine, da Universidade de Indiana, estuda a propensão a tornar-se insensível e sem emoções (CU, na sigla inglesa, “callous and unemotional”) em crianças entre 7 e 12 anos de idade. Como estudos já demonstraram, crianças com esses traços têm um risco mais elevado de vir a ser psicopatas quando adultas.
“Não estamos sugerindo que algumas crianças são psicopatas, mas traços de insensibilidade e falta de emoções podem ser utilizados para se identificar um subgrupo de crianças em risco”, disse Fontaine.
Entretanto, o trabalho da pesquisadora demonstrou que esses traços não são fixos e que podem mudar nas crianças, à medida que elas crescem. Então, se os psicólogos identificarem crianças com esses fatores de risco numa fase mais incipiente, pode não ser tarde demais.
“Ainda podemos ajudá-las”, disse Fontaine. “Podemos realizar uma intervenção a fim de dar apoio e ajuda às crianças e às suas famílias, e é isso que devemos fazer.”
A compreensão dos neurocientistas quanto à plasticidade (ou maleabilidade) do cérebro, chamada neurogênese, corrobora a ideia de que muitas [ainda que não todas] dessas diferenças cerebrais não são fixas. (Vide: 10 coisas que você não sabia sobre o cérebro /em inglês/)
“As pesquisas cerebrais vêm nos mostrando que a neurogênese pode ocorrer mesmo na fase adulta,” disse a psicóloga Patricia Brennan, da Universidade Emory, em Atlanta, Georgia (EUA). “Biologia não é destino. Há muitos, muitos lugares em que se pode intervir, ao longo do caminho do desenvolvimento, a fim de mudar o que esteja acontecendo com essas crianças.”
Além do mais, o comportamento criminoso certamente não é um comportamento fixo.
O psicólogo Dustin Pardini, do Centro Médico da Universidade de Pittsburgh, descobriu que 4 em cada 5 crianças que foram delinquentes na infância e adolescência não continuavam a sê-lo na fase adulta.
Pardini vem pesquisando as diferenças cerebrais potenciais entre pessoas com um histórico de crimes pretéritos que pararam de praticá-los e aquelas que mantêm o comportamento criminoso. Embora, no estudo, ambos os grupos exibiram diferenças cerebrais quando comparados com não criminosos, Pardini e seus colegas descobriram pouquíssimas diferenças entre transgressores crônicos e os chamados transgressores remitentes (isto é, que acabam se regenerando).
“Os dois grupos demonstraram resultados semelhantes”, disse Pardini. “Nenhuma dessas regiões cerebrais distinguem transgressores crônicos e remitentes.”
Questões éticas
No entanto, mesmo a ideia de se intervir para ajudar crianças que correm risco de tornarem-se criminosos vem carregada de considerações éticas.
“Colocaremos crianças sob tratamento compulsório uma vez que tenhamos descoberto os fatores de risco?”, questiona Adrian Raine. “Bem, quem decidirá isso? O Estado ordenará o tratamento residencial obrigatório?”
E se os métodos de tratamento forem avançados e houver a opção de operar crianças ou adultos com esses fatores de risco cerebrais? Muitos especialistas hesitam em advogar semelhantes intervenções cerebrais invasivas e arriscadas — sobretudo em crianças e em indivíduos que ainda não cometeram crime algum.
Contudo, os psicólogos afirmam que tais soluções não são a única maneira de intervir.
“Você não precisa realizar uma cirurgia cerebral direta para mudar a forma como o cérebro funciona,” disse Patricia Brennan. “Pode-se promover intervenções sociais a fim de mudar isso.”
Os estudos de Nathalie Fontaine, por exemplo, sugerem que garotos que exibem traços de insensibilidade e não emotividade não respondem tão bem aos métodos punitivos e de criação tradicionais, tais como botar de castigo num local determinado. Em vez de punir o mau comportamento, programas que enfatizam a recompensa por bom comportamento com reforço positivo parecem funcionar melhor.
Adrian Raine e seus colegas também estão testando se crianças que tomam comprimidos suplementares de ácidos graxos ômega-3 — também conhecidos como óleo de peixe — podem demonstrar alguma melhora. Já que se acredita que esse nutriente é usado no desenvolvimento celular, os neurocientistas suspeitam que ele possa ajudar as células cerebrais a crescerem, a aumentar o tamanho dos axônios (a parte dos neurônios que conduz impulsos elétricos) e a regular o funcionamento neuronal.
“Estamos escaneando os cérebros das crianças antes e depois do tratamento com ômega-3″, disse Raine. “Estamos estudando esses garotos para ver se esse nutriente consegue reduzir o comportamento agressivo e a melhorar as áreas prejudicadas do cérebro. É um tratamento biológico, mas é um tratamento relativamente benigno que a maioria das pessoas aceitaria.”
“Uma ladeira escorregadia para o Armagedon”*
O campo da neurocriminologia também levanta outras dúvidas filosóficas, como a questão de se a revelação do papel de anormalidades cerebrais na criminalidade reduziria a responsabilidade de uma pessoa por suas próprias ações.
“Os psicopatas sabem o que é certo e o que é errado cognitivamente; porém, eles não têm um sentimento para o que é certo e para o que é errado”, disse Adrian Raine. “Por acaso eles pediram para ter uma amígdala que não funcionasse tão bem quanto a de outros indivíduos? Deveríamos estar punindo psicopatas tão severamente como fazemos?”
Já que o cérebro dos psicopatas encontra-se comprometido, diz Raine, seria possível argumentar que eles não têm plena responsabilidade por seus atos. Isso — de fato — não é culpa deles.
Na verdade, essa linha de raciocínio já foi apresentada num tribunal. Raine relatou um caso que estudara, de um homem chamado Herbert Weinstein, que havia matado sua esposa. Escaneamentos cerebrais acabaram revelando um grande cisto no córtex frontal do cérebro de Weinstein, mostrando que suas habilidades cognitivas estavam significantemente comprometidas.
Os escaneamentos foram usados para se conseguir uma plea bargain** em que a sentença de Weinstein fora reduzida para apenas 11 anos de prisão.
“O escaneamento foi utilizado para reduzir a imputabilidade dele, para reduzir sua responsabilidade”, disse Raine. “No entanto, não seria isso uma ladeira escorregadia para o Armagedon, onde não haveria nenhuma responsabilidade na sociedade?”
NOTAS
* Aqui, o termo “ladeira escorregadia” [slippery slope] remete a seu sentido metafórico evidente. Porém, a expressão também alude a uma conhecidafalácia. (Nota do tradutor)
** No sistema jurídico anglossaxão (a chamada common law), uma plea bargaintrata-se de um acordo entre acusação e defesa, mediante o qual o acusado colabora com a acusação e recebe um relaxamento da pena. Levando-se em conta as devidas diferenças, esse instituto foi o que inspirou, no direito brasileiro, o da chamada “delação premiada”. (Nota do tradutor)
http://avozdaespecie.wordpress.com/2011/03/11/mentes-criminosas-sao-diferentes-da-sua/
http://www.livescience.com/13083-criminals-brain-neuroscience-ethics.html
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