domingo, 30 de agosto de 2009

A teoria do flogisto


Durante a maior parte do século dezoito a doutrina do flogisto não só foi a lâmpada e o guia dos químicos, mas também permaneceu como a mais honorável e a mais alta generalização da Físico-Química por mais de 50 anos.

Lá pelo meio do século XVIII a combustão era explicada por meio de uma antiga teoria de Platão, de que todo o material combustível teria uma substância em comum, um "princípio inflamável" que lhes permitia queimar. Isso de fato não queria dizer nada mais do que "as substâncias queimam porquê são combustíveis" (!). Geber pensava que o princípio inflamável era o enxofre (cerca de 770 DC). Quase 1.000 anos depois J. J. Becher mostrou que muitos materiais combustíveis não continham enxofre (1669), e portanto ele foi levado a postular outra substância, que ele chamou de "terra píngua" ou "terra gordurosa".

O conceito de Becher tornou-se finalmente o flogisto de G. E. Stahl (1723), que ensinava que, no ato da combustão, o flogsto, material intrínseco dos corpos combustíveis, era colocado em liberdade. Assim, oxidação era a perda do flogisto, enquanto que redução era a absorção do flogisto (Stahl era um eminente metalúrgico!). Quando um óxido de um metal era aquecido em presença de um corpo rico em flogíston, como por exemplo carvão (ou outros agentes redutores), o carvão supriria o "metal" com flogisto e formaria um composto com o óxido metálico que seria o próprio metal!. Por muito tempo os metais eram reconhecidos como sendo compostos de seus óxidos mais flogisto. Caso o flogisto "escapasse", como na combustão de um metal sem a presença de um redutor (um processo de oxidação, portanto), restaria, é claro, o seu óxido. A idéia podia ser simbolizada:

metal = óxido metálico + flogisto

Quando ficou provado que o óxido do metal era mais pesado do que o próprio metal, foi assumido pela maioria da comunidade científica que o flogisto possuía massa mais leve do que o ar, e assim sendo, os metais podiam "levitar", enquanto que seus óxidos, não.

A prova conclusiva apresentada por Lavoisier de que o aumento em massa dos metais quando calcinados era igual à massa do oxigênio consumido na formação do óxido, e a sua crucial demonstração de que a combustão é uma reação de associação e de aumento de massa que não se poderia explicar pela mera perda de uma substância, baniu para sempre o fantasma do flogisto da Ciência. De fato, não é surpreendente que os escritores da Idade Média não tenham conseguido interpretar o fenômeno da combustão de uma vela ao ar, se nós nos lembrarmos de quanto conhecimento químico é necessário para explicar o lado químico do fenômeno, e, ainda, se levarmos em consideração as dificuldades experimentais da época em se experimentar e manipular gases:

1. o ar é composto principalmente de dois gases, ambos levemente solúveis em água.
2. durante a combustão, apenas um dos gases se une com o corpo em chamas.
3. o ar contém quatro volumes do gás inerte e um volume do gás que se une ao corpo incandescente.
4. durante a combustão é produzido um gás que é muito solúvel em água.
5. o aumento de massa do corpo que se queima é idêntico à diminuição de massa do ar no qual o corpo queima.

A hipótese do flogisto é algumas vezes lembrada como ridícula. Entretanto, temos de nos lembrar que ela foi adotada por praticamente todas as cabeças iluminadas da época: a teoria do flogisto parecia, então, ser a mais perfeita generalização conhecida pelos intelectuais da época, e é inconcebível que homens como Cavendish (a quem se atribui a primeira descrição do elemento nitrogênio) e Priestley (além de cientista um pároco anglicano, a quem atribuímos a descoberta do elemento oxigênio), entre outros, fossem ensinar e discutir com seus pares uma teoria com a qual não estivessem de pleno acordo. O flogisto não era tido como uma hipótese temporária, mas sim como uma verdade universal e incontestável. Hoje em dia, a palavra flogisto é apenas um símbolo vazio.

Teorias perecem, fatos permanecem. Muito do que hoje achamos válido, amanhã poderá não sê-lo. Isso não deve ser encarado pelo estudante de Ciências como um fato embaraçoso, pois uma teoria falaciosa pode ser fonte para experiências importantes. Experimentação e trabalho aplicados à explicação de uma teoria fantasiosa não necessitam ser todos jogados fora como um só conjunto de asneiras. Aliás, já ensinava Aristóteles, "não precisamos cultivar a arte da dúvida, mas sim a arte de duvidarmos bem".

http://www.escolainterativa.com.br/canais/18_vestibular/estude/quimi/tem/qui_tem058.asp

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