terça-feira, 7 de abril de 2009

A luta interna do organismo contra a gordura


Descoberto um novo mecanismo
Descobrem a maquinaria interna que controla a gordura acumulada nas células
O descobrimento permitirá criar fármacos para evitar a deterioração do envelhecimento


Actualizado quarta-feira 01/04/2009 19:00 (CET)

ISABEL F. LANTIGUA

MADRIDE. - Como os lava-loiças que se anunciam na TV com o slogan 'o milagre anti-gordura', o corpo humano também tem um mecanismo interno que controla a acumulação de gordura nas células e se encarrega de convertê-la em energia para o organismo, segundo acabam de descobrir os cientistas. Não obstante, o envelhecimento pode prejudicar esta maquinaria, o que favorece a aparição de transtornos como o fígado gordo ou a diabetes.

Investigadores da Faculdade de Medicina Albert Einstein da Universidade de Yeshiva (Nova Iorque, EEUU) viram pela primeira vez – tanto 'in vitro' como 'in vivo' – quais são os agentes do corpo implicados neste processo de destruir a gordura. O seu descobrimento publica-se na revista 'Nature'.

Todas as células necessitam de energia, que tomam dos nutrientes. Não obstante, como medida de precaução, as células também acumulam gordura no seu interior em forma de depósitos para utilizá-la no caso de que lhes faltem nutrientes. Segundo explica a EL MUNDO Ana María Cuervo, do Departamento de Biologia Molecular da Universidade e uma das autoras da investigação, "se a quantidade de gordura que um individuo ingere através da dieta é muito alta, as células acumularão muita mais e isto poderá interferir nas suas funções".

Sem dúvida, "vimos que as células são capazes de evitar isto. Para não acumularem demasiada gordura, mobilizam-na constantemente para transformá-la em energia. Uma tarefa na qual intervêm os lisossomas, que sempre se acreditou serem como recipientes de lixo que limpavam só as coisas más que existem no interior da célula; mas para nossa surpresa resulta que também têm uma função muito importante na hora de reciclar os depósitos de gordura", indica a especialista de Yeshiva.

O processo, denominado autofagia – literalmente 'comer-se a si mesmo'-, consiste em que os lisossomas recebem parte da gordura acumulada em forma de triglicéridos e a convertem em ácidos gordos que a mitocondria pode usar para produzir energia. Ana María Cuervo ilustra-o da seguinte maneira: "É como o jogo do 'comecocos', no qual os lisossomas seriam o boneco que vai pela célula comendo as bolsas de gordura".

As consequências da idade

Um dos aspectos que destacam os investigadores é que o labor dos lisossomas diminui à medida que a pessoa vai envelhecendo. "Ao envelhecermos, a actividade destas 'latas do lixo' do corpo reduzem-se, o que significa que a quantidade de gordura acumulada nas células aumentará e que não se pode obter energia delas tão facilmente", reconhece a investigadora.

As consequenciais deste excesso de gordura intracelular são negativas. Pode dar lugar ao desenvolvimento do fígado gordo, uma enfermidade crónica que muitas vezes termina em cirrose, ou a padecer diabetes, já que a acumulação de gordura torna as células resistentes à insulina e, incluso, a problemas no cérebro, já que as células deste órgão também terão mais gordura do que o aconselhável e não funcionarão como antes.

Tal e como comprovaram os autores deste trabalho, "uma vez que se acumula gordura acima do nível, inibe-se a actividade dos lisossomas, pelo que se cria um círculo vicioso: mais gordura, menos lisossomas, e de novo mais gordura". Por isso, o passo seguinte da investigação consistirá em desenvolver terapias capazes de melhorar o processo de autofagia e poder prevenir enfermidades como as citadas anteriormente.

O grupo de Yeshiva comprovou em ratos velhos que se pode aumentar a autofagia mediante um modelo genético. Sem dúvida, como a manipulação genética não se pode aplicar a toda a população, à medida que envelhece "temos que buscar compostos químicos que façam o mesmo labor", conclui Cuervo.

Assim com esta ferramenta também se poderá reduzir a obesidade, a autora explica que "indirectamente sim". "A obesidade (ou o que vemos por fora) está relacionada mais com depósitos de gordura nos adipócitos (o tecido adiposo, os típicos 'michelines') e aí a autofagia é distinta, mas o que é importante é que o processo que temos visto poderá controlar as consequências da obesidade, como as enfermidades cardiovasculares".

Para a cientista "existe uma relação na acumulação de gordura nas células e a obesidade, porque por exemplo se as células do fígado se enchem de gordura não podem metabolizar bem o que se come na dieta e isto começa a acumular-se no tecido adiposo".

EL MUNDO
Foto: Deste modo, assim representa Ana María Cuervo, o controlo do organismo sobre a gordura.

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