sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A neurologia na arte. O corpo humano é um dos temas mais fundamentais de todas as formas de artes


A arte e a medicina apresentam caminhos paralelos ao longo da História. Assim, o século de Péricles (490 – 429 a.C.) deu origem a Fídias (490 - 431), escultor e artista culminante do classicismo grego, e a Hipócrates (c. 460 – 375 a.C), que tirou a medicina dos templos ao substituir as explicações sobrenaturais da doença por mecanismos naturais.

Sebastião Gusmão. Eric Morato e Elizabeth Regina Comini Frota
http://www.sbhm.org.br/index.asp?p=noticias&codigo=94

Da Antiguidade Clássica ao século XV, a arte não representou o mundo real nem as emoções humanas; este período caracteriza-se também pela estagnação da medicina. O Renascimento dos séculos 14 e15 fez renascer tanto a arte quanto a medicina. A moderna medicina nasce em 1534, com a publicação do Fabrica de Vesalius (1514 - 1564). Mas o mais importante desta monumental obra não é o texto de Vesalius, mas a ilustração realizada no ateliê de Ticiano, principalmente por seu discípulo Calcar. Portanto a moderna medicina foi em parte gerada no ateliê de um pintor renascentista.

O corpo humano é um dos temas mais fundamentais de todas as formas de artes. Em ocasiões, fatos médicos foram inevitavelmente representados na linguagem artística. A doença, sempre presente, é freqüentemente o deliberado objeto da arte. Malformações óbvias podem aparecer na obra de arte, mas também sutis expressões da doença podem ser identificadas nos trabalhos clássicos.

As manifestações superficiais das lesões do sistema nervoso, especialmente as paralisias, atrofias e alterações de postura podem ser identificadas nas pinturas e esculturas. A seguir expõe-se o que encontramos de neurologia na arte, ou mais precisamente na pintura e escultura.

As obras de arte aqui comentadas estão disponíveis em forma de apresentação em Power Point no site www.neurominas.com.br e ordenadas segundo a aparição no texto.

ARTE MOCHICA
Nas culturas pré-históricas e primitivas, pinturas e estátuas são usadas para realizar trabalhos de magia, para proteger contra outros poderes que, para os membros dessas culturas, são tão reais quanto as forças da natureza.

A civilização, desenvolvida no vale do rio Moche, costa norte do Peru, atingiu seu apogeu no início da era cristã e é predecessora da cultura incaica e materialização clássica da antiga cultura peruana. Deixou-nos, através da arte de seus oleiros, imagens do cotidiano de inigualável colorido e realismo. Além da história de suas vidas, deixaram uma verdadeira crônica em imagens de cerâmica de suas doenças e procedimentos médicos. Duas destas peças mostram paralisia facial periférica (do lado direito), descrita por Charles Bell (1774 - 1842), em 1829. Lastres encontrou em um exemplar da cerâmica mochica deformação do pé direito em varus-equino. Acredita tratar-se de poliomielite anterior ou paralisia espástica por síndrome piramidal (Lastres, 1935).

ANTIGUIDADE ARCAICA
Na antiguidade arcaica (Egito e Mesopotâmia), o homem tinha uma concepção mítica do universo, sendo as doenças explicadas por forças sobrenaturais, resultando de possessão por espíritos. Entretanto, ao lado da medicina realizada pelos sacerdotes, desenvolveu-se tanto na Mesopotâmia como no Egito uma medicina prática com bases empíricas. Da mesma forma, ao lado da escultura religiosa, os artistas arcaicos realizaram obras de intenso realismo. Duas destas obras evidenciam manifestações de lesão do sistema nervoso: Estela funerária do sacerdote Ruma e Leoa morrendo.

A Estela funerária do sacerdote Ruma, da décima-nona dinastia (1580-1350) é a primeira representação de uma doença neurológica. Mostra a atrofia e encurtamento da perna direita, provavelmente resultante de poliomielite. O sacerdote Ruma, acompanhado de sua esposa e irmã é mostrado aproximando-se de uma pequena mesa portando oferendas à deusa Istar. Sua perna é encurtada e atrofiada e apresenta pé eqüino. Durante a cerimônia, ele porta a bengala comprimida pelo braço contra o corpo.

Na obra de arte assíria em relevo de alabastro A leoa morrendo, originária do Palácio de Assurbanipal II (século VII a.C) e atualmente no British Nuseum, a leoa, ferida na medula espinhal por uma flecha, é representada furiosa e arrastando as patas traseiras paralisadas. A escultura apresenta um senso de drama e grande poder de observação e perícia na execução. A caça ao leão era esporte habitual dos soberanos assírios, sendo freqüentemente representada em esculturas.

ANTIGUIDADE CLÁSSICA E IDADE MÉDIA
A leveza, a harmonia e simplicidade marcam a arte grega. As pessoas são esculpidas e pintadas como seres humanos de verdade, mas, ao mesmo tempo, como seres de um mundo diferente e melhor. Não se pintava ou esculpia um ser humano em sua individualidade, mas um homem ou uma mulher idealizados. A arte grega perseguia o ideal de beleza, realizando representações idealizadas do homem, sempre belo e jovem. Esta concepção persistiu no Império Romano. Assim, o homem em suas condições reais e as observações do homem doente da escola hipocrática não têm lugar na arte clássica.

Serviço de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital da Clínicas - UFMG
Serviço de Neurocirurgia do Hospital Luxemburgo – Belo Horizonte
Endereço para correspondência:
Sebastião Gusmão. R. Padre Rolim, 921/21 30130090 Belo Horizonte
e-mail: gusmao@medicina.ufmg.br

Imagem: http://historiadaarte.pbworks.com/f/Lucrecia_Ticiano2.jpg

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