domingo, 19 de julho de 2009

China submete-se à ditadura da cirurgia estética


Os tratamentos aumentam 45%
As operações, recurso dos jovens para conseguirem trabalho ou ascensão social. Operar as maçãs do rosto vale 2.500 euros, muito mais que um curso universitário.

EL MUNDO

Actualizado domingo 12/07/2009 03:55
Xangai.- Tiveram uma educação privilegiada, sabem idiomas e deveriam estar prontos para abrir o capítulo produtivo das suas vidas. Seis milhões largos de jovens chineses recebem estes dias os seus títulos universitários. Mas mais duma quarta parte, segundo as previsões oficiais, irão direitos à linha do desemprego.

Ali esperam-lhes, atascados desde há um ano, um milhão de licenciados da fornada anterior, a de 2008. Porque se a nova China do hiperdesenvolvimento era terreno virgem do desemprego qualificado, a crise encolheu a oferta de vagas e afiliou muito a competência.

Solução? Destacar entre a maré de candidatos, não com idiomas, senão com um aspecto atractivo. Dois olhos grandes e abertos, um nariz respingão, com carácter, os peitos volumosos ou uma pele branca e suave impõem-se e ganham pontos frente ao expediente académico impecável, a militância no Partido Comunista ou incluso o guanxi (em mandarim, algo assim como tomada puro, que serve para lubrificar as relações sociais e para aceder a um bom emprego).

À medida que o título universitário deixa de ser seguro de um posto de trabalho fixo, a China abandona-se à ditadura da beleza. Ainda que seja artificial. Assim está o caso de Nancy, por exemplo. Mulher, jovem, solteira. Comercial de vendas numa importante empresa chinesa de bebidas e refrescos. É independente: acode sozinha ao hospital porque quer ocultar a sua passagem pelo quirófano a todos, incluso aos seus amigos mais próximos. Mas sabe-se bem o caminho, porque faz já cinco anos que se fizeram nos olhos, a famosa dupla pálpebra. Os olhos rasgados asiáticos são na realidade produto de uma só dobra nas pálpebras, que se pode duplicar com uma simples cirurgia. Na clínica onde se trata Nancy, a Renai, o procedimento sai por 3.000 yuanes (uns 312 euros).

Mas ela gastou a ninharia de 6.500 euros, o seu vencimento líquido de meio ano, por uma rinoplastia e um lifting (sim, lifting aos 28 anos). "No trabalho as coisas não me vão muito bem e era a época adequada para fazer mudanças na minha vida", explica a reincidente, enterrada num mar de vendas. Terá a cara como um cromo durante a próxima semana, mas depois regressará ao trabalho e pensa pedir um aumento. "O êxito tem que estar assegurado, porque é muito o que sacrifiquei".

Se no Ocidente são as liposucções e rinoplastias as que arrasam, na China elevam-se, por ordem de popularidade, os olhos com dupla pálpebra, os narizes com tabique destacado e as caras afinadas depois de limar as maçãs do rosto e mandíbulas. No hospital Renai de Shanghai, 60% dos pacientes são estudantes ou jovens que buscam melhorar o seu aspecto, segundo explica o subdirector da planta de cirurgia plástica. "Quanto melhor seja a primeira impressão, mais fácil lhes resultará a aceitação social", conta Zhao Jun.

Oito de cada dez dos seus clientes são mulheres. E muitas delas tomam como referências actrizes e modelos famosas. Uma das favoritas é Fang Bing Bing, intérprete conhecida pelo seu trabalho no cinema e na televisão que apresenta a cara "com forma de semente", considerado um ideal de beleza. Os jovens são todavia uma minoria, mas vão apontando-se à moda. Segundo um periódico de Xangai, os varões da cidade chic requerem tratamentos para obter "mais cabelo e bigode".

Um progresso social
O doutor Zhao detectou um aumento no número de estudantes que visitam a sua consulta nos últimos meses, sobretudo depois do gaokao, o duro exame de selectividade. "Elegem esta época, justo depois de se licenciarem, porque é um tempo de transição entre duas vidas, a de estudante e a de adulto trabalhador, ou a de adolescente a estudante universitário", explica Zhao. "Assim, se apresentam com um novo aspecto num novo entorno social". As últimas cifras oficiais de desemprego (só o urbano) situam-se em 4,3%, ainda que a Academia Chinesa de Ciências Sociais calcula que a taxa de desemprego geral é quase o triplo, cerca de 12%.

Prova de que a prática se vai estendendo ao calor da competência no mercado laboral é a boa saúde que goza o sector, com um crescimento que, à falta de estadísticas oficiais, Zhao cifra nuns 10% anual. Em clínicas como Shanghai Times, detectaram um incremento de 45% no número de clientes desde as primeiras erupções da crise.

A metade dos seus cirurgiões é estrangeira, principalmente coreanos, já que estão considerados entre os melhores da profissão e, por tanto, mais caros. Um arranjo nas maçãs do rosto custa cerca de 2.500 euros (quatro vezes o valor de uma matrícula numa universidade chinesa) se o praticante é local, mas 1.000 mais trata-se de um coreano.

Mas a diferença da Coreia, onde a gente comparte os resultados da sua cirurgia ("como quando se compra um vestido", aponta Zhao), na China todavia tende-se a esconder a prática. Parte disso é cultural: em Xiao Jing, um dos clássicos da cultura chinesa, Confúcio, diz uma frase que muitos repetem hoje: "O corpo, o pêlo e a pele são herança dos pais. Não danificá-los ou transformá-los é o princípio da devoção filial".

Imagem. Duas jovens caminham diante dum anúncio de produtos cosméticos no metro de Shanghai. Aritz Parra

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