Médicos Sem Fronteira contra a decisão do governo
zimbabweano
As autoridades de saúde zimbabweanas estão a
discutir sobre a possibilidade dos pacientes com HIV pagarem 10 USD por mês
para comprarem os seus próprios antiretrovirais, a fim de colmatar a lacuna de
financiamento existente actualmente no país.
Maputo (Canalmoz) - Uma polémica decisão das
autoridades sanitárias no Zimbabwe está a colocar o governo de costas voltadas
com a missão dos Médicos Sem Fronteira que está a operar naquele país. É que
pelo menos 66 mil seropositivos poderão perder o acesso ao actual tratamento
antiretroviral (TARV) devido a uma grave crise de financiamento internacional
nos programas locais de tratamento. Para compensar o défice, vários segmentos
do sector da saúde do Zimbabwe estão a propor que alguns pacientes com HIV
comprem os seus próprios antiretrovirais (ARV).
A MSF, que apoia o tratamento para mais de 228750
pacientes com HIV em mais de 20 países, está profundamente preocupada com estas
e outras propostas semelhantes que envolvem a inversão do peso financeiro de
compra de ARVs com orçamentos estaduais e fundos dos doadores que está a recair
sobre os próprios pacientes com HIV.
Numa nota de Imprensa assinada pela chefe de Missão
da Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Zimbabwe, Fasil Tezera, a organização
entende que a medida pode inicialmente parecer como de poupança de custos, mas
futuramente poderá acarretar custos altos em dinheiro e vidas, porque irá prejudicar
a adesão ao tratamento, a qualidade e resultados, assim como os esforços para
impedir que mais pessoas contraiam o vírus. Isso porque, segundo refere a MSF,
a interrupção do tratamento contribuirá também para o crescimento de estirpes
de resistência ao vírus.
Segundo o documento em referência, no Zimbabwe os
ARVs actualmente não são cobertos pelo Fundo de Transição de Saúde (HTF), o que
cria sérios problemas. Até final de 2011, muitas verbas foram financiadas pela
Comissão Europeia, Reino Unido, Suécia, Noruega, Irlanda e Canadá adquiriram
ARVs. Este ano, o HTF absorveu esses fundos, mas a compra de ARVs não fazia
mais parte de seu mandato. Isso significa que cerca de 66 mil pacientes já em
tratamento não sabem de onde virão os seus ARVs, sem falar das pessoas que
ainda estão à espera de iniciar o tratamento. Se outros doadores, como os
Estados Unidos, os estados-membros europeus, mobilizarem fundos para cobrir
esta crise, a próxima oportunidade de financiamento adicional seria concedida
pelo Fundo Global de Combate à Sida, Tuberculose e Malária. Isso iria acontecer
provavelmente em 2014.
“A falta de financiamento gerou muito debate e
apelos do ONUSIDA e de outros para que os países segurassem a crise do HIV a
intensificassem os esforços nacionais. É realmente verdade que os governos
nacionais e os ministérios da saúde devem assumir compromissos políticos e
monetários para tratar o HIV, mas, passar o “fardo” para os próprios pacientes
não é a resposta. Isso significaria esperar que as pessoas que já são
vulneráveis paguem pelo tratamento que deve ser gratuito, mas também coloca em
risco os ganhos e resultados obtidos pelos programas de tratamento”, refere a
MSF.
Ainda segundo o documento, a Organização Mundial de
Saúde – apoiada por evidências médicas – sustenta que garantir ARVs gratuitos é
crucial para manter bons resultados do tratamento e para conter o alastramento
do HIV. A maioria das pessoas que têm acesso aos ARVs nos países com muita
responsabilidade de cuidados de saúde do governo, como no Zimbabwe, já estão
empobrecidos porque perderam o rendimento devido à doença e estão a assumir os
custos dos cuidados de saúde complementares. A maioria dos pacientes no
Zimbabwe e países similares de baixa renda muitas vezes vivem abaixo da linha
da pobreza e já se esforçam para pagar os custos relacionados ao atendimento,
seja para medicamentos para tratar infecções oportunistas, registo e taxas de
hospitalização, raios-x, exames laboratoriais, ou transporte para clínicas ou
hospitais. Um estudo realizado pela MSF no Kenya, em 2007, compara a retenção
nos cuidados entre pacientes seropositivos com acesso aos ARVs gratuitos e
pacientes que tiveram de pagar uma taxa de aproximadamente 7 USD por mês,
enquanto todos os outros elementos de cuidados eram os mesmos. O resultado
mostrou que oferecendo ARVs gratuitamente reduziu o risco de perda de
seguimento em mais de 56,6%.
“Para tornar os pacientes mais vulneráveis em
ambientes pobres em recursos para compra de ARVs vai muito além das
expectativas razoáveis. Além disso, as taxas cobradas aos pacientes num país
onde 80-90 por cento da população não está formalmente empregue não será
suficiente. E sabemos por experiência que os pacientes com rendas imprevisíveis
podem começar a racionalizar o seu consumo de antiretrovirais, que terão menos
doses de remédios do que é recomendado. Isto cria complicações adicionais,
resistência ao tratamento e interrupção de supressão do vírus, tudo o que pode
aumentar ainda mais o custo do tratamento, acabando com todas as economias geradas
pela imposição de taxas. Por sua vez, seria cada vez mais pesado para os
serviços de saúde, desencorajaria os trabalhadores de saúde, e, o pior de tudo,
impediria as pessoas de virem se testar e fazer o tratamento” lê-se no
comunicado.
Assim, a MSF exorta aos doadores no seu comunicado
para que financiem o suficiente de modo a proporcionar de forma eficaz o
tratamento gratuito contra HIV a todos que necessitam. Os recursos internos
devem ser aumentados com o envolvimento consistente e continuo internacional.
Só assim poderemos impedir a epidemia de HIV no Zimbabwe e diminuir o fardo nos
contextos de baixa renda. (Redacção)
Imagem:
hortadozorate.blogspot.com
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