Um antropólogo da Universidade Estadual de
Michigan, que passou mais de um ano infiltrado no mercado negro de rins
humanos, publicou o primeiro estudo de campo que descreve as terríveis
experiências que as pessoas mais pobres passam, devido ao tráfico de órgãos.
Monir Moniruzzaman entrevistou 33 pessoas que venderam
seus rins, em Bangladesh, e descobriu que eles tipicamente não recebem o
dinheiro prometido e ainda carregam sérios problemas de saúde, que os deixam
deprimidos, envergonhados e algumas vezes sem poder trabalhar.
Moniruzzaman comenta que as pessoas que vendem seus
órgãos são exploradas por pessoas desonestas. A maior parte dos receptores dos
órgãos são pessoas de Bangladesh que vivem em locais como os Estados Unidos, a
Europa e o Oriente Médio. Como esse tipo de comércio é ilegal, os vendedores
forjam os documentos para indicar que o vendedor e o receptor são parte da
mesma família.
De acordo com Moniruzzaman, médicos, hospitais e
empresas relacionadas fecham os olhos para esses atos ilícitos porque acabam
lucrando com isso.
A maior parte das 33 pessoas de Bangladesh teve o
rim removido na fronteira com a Índia. Geralmente, o vendedor pobre e o
receptor rico se encontram em um local médio, e o transplante é realizado no
momento.
“Isso é um sério tipo de exploração das pessoas
mais pobres. Seus corpos viram negócios para prolongar a vida dos mais ricos”,
comenta o pesquisador.
O trabalho inclui as experiências de Mehedi Hasan,
um jovem de 23 anos que vendeu parte do fígado para um receptor rico de da
capital de Bangladesh, Dhaka. Como muitos dos residentes pobres do país, Hasan
não sabia o que um fígado era. O vendedor explorou isso, e disse que faria
Hasan rico.
O receptor morreu pouco depois do transplante.
Hasan recebeu apenas parte do dinheiro prometido, e agora está muito doente
para trabalhar, andar longas distâncias e até respirar propriamente. De acordo
com Moniruzzaman, ele pensa constantemente em se matar.
Os vendedores de órgãos geralmente conseguem suas
“presas” através de anúncios falsos. Um deles, em um jornal de Bangladesh,
prometia recompensar o doador de rim com um passaporte para os Estados Unidos.
Moniruzzaman coletou mais de 1.200 anúncios similares para o estudo.
O comércio de órgãos está crescendo em Bangladesh,
um país onde 78% da população vive com menos de dois dólares por dia (R$ 3,60).
O preço médio por um rim é de 100 mil takas (cerca de R$ 2.510), um valor que
tem baixado muito devido à intensa oferta.
Uma mulher anunciou que estava vendendo sua córnea
para que pudesse alimentar a família. A justificativa era que precisava de apenas
um olho para ver. O transplante não aconteceu, mas Moniruzzaman afirma que já
houveram casos de córneas sendo vendidas.
Moniruzzaman afirma ser importante notar que a
maior parte dos vendedores não fazem “escolhas astronômicas” no preço dos
órgãos, pois são manipulados. Ele comenta que o mercado global de órgãos é um
fenômeno relativamente recente – tornou-se possível com os avanços médicos dos
últimos 30 anos, e representa uma das formas mais grotescas de exploração
humana.
Para combater esse tipo de tráfico, o autor
recomenda, entre outros passos:
- Pressão global. Os Estados Unidos deveriam ter um papel ativo em pressionar os governos estrangeiros a entenderem o problema e acabar com os vendedores, receptores, médicos e pessoas envolvidas no negócio.
- Transparência e garantia. O governo deveria garantir que todos os centros tenham registro para transplantes, e verificar a relação entre os doadores e os receptores.
- Doação de órgãos após a morte. Países como Bangladesh não possuem um sistema em que as pessoas possam doar seus órgãos após morrer.
Moniruzzaman afirma que, realmente, o tráfico de
órgãos não vai deixar de existir. “Mas com esforços colaborativos, podemos
reduzir significativamente essa terrível violação dos direitos humanos”, diz. [ScienceDaily]
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