quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Brasileiros levam a Angola experiência em saúde indígena e favelas


Especialistas brasileiros em saúde pública estão levando a Angola a experiência adquirida em favelas e aldeias indígenas do Brasil. O objetivo: baixar os elevados níveis de mortalidades infantil e materna em áreas remotas do país e reduzir ao máximo dependência dos moradores quanto ao frágil sistema de saúde local.
Há quase uma década em Angola, o casal brasileiro Romy Giovanazzi e Fernando Mororó está à frente de uma das principais iniciativas em saúde comunitária no país. Em 2010, eles criaram a Vertrou (confiança, em africâner), empresa que firmou um contrato com o governo provincial de Luanda para implantar uma ação nos moldes do programa brasileiro de saúde comunitária.
Para executar o projeto, eles contrataram profissionais que já atuaram em favelas da Grande São Paulo, comunidades indígenas e vilas de pescadores espalhadas pelo Brasil.
Segundo a Unicef, a cada mil crianças nascidas vivas em Angola, 158 morrem antes de completar cinco anos. O país ocupa o oitavo posto entre as nações com maior taxa de mortalidade infantil do mundo. No Brasil, 107º do ranking, há 16 mortes a cada mil crianças nascidas.
Cemitérios clandestinos
Quando o grupo começou os trabalhos de campo, porém, notou que a situação era ainda mais grave do que as estatísticas revelavam.
"Nas nossas andanças pela região, encontramos muitos cemitérios clandestinos", diz Giovanazzi à BBC Brasil . "Muita gente nasce e morre sem nuca ter sido registrada."
"A experiência no Brasil serve, mas aqui é preciso reaprender tudo. Em termos de saúde, algumas regiões angolanas estão vivendo o que Brasil viveu há cem anos."
Uma das recrutadas no Brasil por Giovanazzi para o programa, a educadora e psicóloga Maria Pia Falchi, 62 anos, dá a escala do desafio: "Enquanto no Brasil já se discute como reciclar o lixo, como poupar a camada de ozônio, aqui a discussão é onde pôr o lixo, como lidar com animais domésticos, onde fazer as necessidades. Temos de lidar com o beabá".
Ao lado da bióloga Maria Aparecida Bernardes, 53, e da enfermeira Maria Julieta Guerrieri, 61, Falchi é responsável por formar grupos voluntários de "vigilantes de saúde" em cada um dos dez distritos onde atuam.
"Trabalhamos com voluntários para que, ao sair, eles mantenham as ações", explica Giovanazzi.
Segundo ela, hoje há 135 vigilantes envolvidos no programa, iniciado em maio e com duração até novembro.
Por ora, a iniciativa está restrita ao município de Icolo e Bengo, a leste da capital angolana, Luanda. Caso o programa consiga bons resultados no período (não foram estabelecidas metas numéricas), Giovanazzi diz esperar que ele seja estendido a outras regiões do país.
Se ocorrer, a ampliação exigirá que a empresa faça novas contratações - hoje, tem 21 funcionários, dos quais dez são brasileiros e 11 angolanos.
Monitoramento
Cada grupo de vigilantes é integrado por cerca de 20 moradores, que têm entre suas atribuições acompanhar a saúde de grávidas e crianças pequenas, orientar a população sobre locais adequados para jogar lixo e monitorar a ocorrência de doenças graves (eles aprenderam a identificar as mais comuns, como malária, esquistossomose, tuberculose e Aids).
"Como não temos qualquer controle sobre a ação do Estado, ensinamos cuidados que só dependem deles e do meio ambiente", afirma Giovanazzi.
Segundo ela, antes do início do programa, era comum que os moradores bebessem água na mesma lagoa onde defecavam e lavavam roupa. Não por acaso, a região registrou um surto de cólera nos últimos anos.
Quando os voluntários avaliam que uma grávida ou criança corre risco, devem telefonar ao hospital mais próximo (alguns, a até 80 km de distância) para que enviem uma ambulância.
E para que as grávidas recebam os cuidados adequados em partos delicados, o governo provincial se comprometeu a aparelhar uma sala em cada unidade de saúde.
"Já notamos resultados", diz a enfermeira Guerrieri. Segundo ela, havia muita descrença entre os moradores no início do programa.
"Hoje, ainda que muitos problemas persistam, muitos vêm às reuniões discutir casos, nos comunicam o nascimento de bebês e cobram os pais para que vacinem crianças."
Para ela, porém, a principal transformação diz respeito à atitude dos vigilantes.
"Como muitos não chegaram nem ao ensino médio, eles sentem que a capacitação é uma primeira conquista. E já estão se tornando autoridades em saúde nas suas aldeias."
Segundo a bióloga Bernardes, os resultados do programa vão além da melhora dos indicadores de saúde. "Eles vão aprendendo que têm direitos, vão se revoltando com as condições."
"O projeto muda a consciência das pessoas. Se deixarmos apenas isso, já ficará uma semente."
BBC Brasil ANGOLA24HORAS

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