Leitor, se você se sentiu incomodado quando alguém
(um colega da faculdade, talvez) o cumprimentou na rua e você simplesmente não
o reconheceu, imagine se você fizesse isso com seus pais ou seus irmãos.
Acredite se quiser: tem gente que não reconhece sequer os próprios filhos.
Não estamos falando de um nível extremo de
distração, mas sim de uma condição médica relativamente rara, chamada
prosopagnosia (ou “cegueira para feições”), que, estima-se, afeta uma a cada 50
pessoas (2% da população mundial), tanto homens como mulheres. É o caso de
Sandra O’Connor, que tem dificuldade para reconhecer o marido, os filhos e a si
mesma, e se surpreende sempre que se olha no espelho. “Vejo minhas feições
claramente mas não percebo o rosto como se fosse meu. Vejo apenas uma mulher
comum, de meia idade, me encarando de volta”, conta.
Causada por uma alteração em uma estrutura do
cérebro chamada lobo occipital (que pode ser de nascença ou consequência de um
dano neurológico), a prosopagnosia gera ansiedade e, em grande parte dos casos,
isolamento social. “Quando fiz 50 anos, só recebi dois cartões de aniversário
que não eram de familiares – ambos de velhos colegas que já não encontro. Agora
evito contato visual com outras pessoas, para não ser acusada de ‘cortá-las’”,
relata Sandra. Por falta de conhecimento sobre a condição, muitos veem
portadores de prosopagnosia como gente “distraída” ou “mal-educada”.
Recentemente, a professora de psicologia Sarah
Bate, da Universidade de Bournemouth (Reino Unido), recebeu financiamento para
fundar um centro de estudo de prosopagnosia. “No começo achamos que era uma
condição extremamente rara, mas depois de pedir que as pessoas se
manifestassem, ficamos sabendo de 700 casos”, conta. “Mas isso não é algo que
um clínico geral vai reconhecer, e há uma grande falta de suporte e compreensão
em escolas e locais de trabalho”.
Sozinhos
na multidão
“O primário foi ruim, mas o ensino médio foi pior”,
lembra Sandra. “Eu passei boa parte do meu tempo tentando encontrar a sala de
aula certa, porque não conseguia reconhecer os colegas ou os professores”. Seus
poucos amigos criaram uma estratégia para ajudá-la: na hora do almoço, sentavam
sempre no mesmo lugar, para que Sandra soubesse onde encontrá-los.
Durante décadas, a professora aposentada Valerie
Haden ficava irritada consigo mesma por não reconhecer seus estudantes ou seus
amigos. A “cegueira” causou muitas situações sociais complicadas, baixou sua
autoestima e a levou a se casar com um homem “totalmente inadequado”, do qual
se divorciou mais tarde.
“Durante toda a minha carreira eu fiquei em salas
de aula cheias de pessoas que me pareciam iguais, e me senti muito infeliz por
jamais conhecê-las”, conta Valerie. “Meus colegas achavam que eu era
condescendente com os encrenqueiros, mas na verdade eu não fazia a menor ideia
de quem eram”.
Dispensando
o reconhecimento facial
A despeito das muitas dificuldades causadas por sua
condição, diversos portadores de prosopagnosia acabam encontrando formas de
reconhecer os outros mesmo sem se lembrar de seus rostos. “Da mesma maneira que
pessoas cegas podem desenvolver um elevado senso de reconhecimento de voz,
pessoas com ‘cegueira facial’ aprendem a encontrar pistas na linguagem corporal
que as ajudem a identificar os outros”, explica a Dra. Bate.
Foi graças ao Serviço Rádio do Cidadão (conhecido
como PX no Brasil) de seu país (Escócia) que Sandra conheceu o marido, Derek,
nos anos 80. Juntos há 27 anos, Sandra e Derek aprenderam a driblar a
prosopagnosia: nos encontros, ele sempre ia buscá-la em horários combinados,
para que ela soubesse que era ele. Derek sempre usa uma jaqueta vermelha para
facilitar o reconhecimento e, quando alguém conhecido se aproxima de Sandra,
ele a avisa discretamente.
Sua filha, Beki, sempre usa uma roupa verde para
que a mãe possa encontrá-la, e o filho, Josh, avisa seus amigos sobre a
condição da mãe, para que eles não fiquem chateados pensando que Sandra os
“ignora”.
A analista de negócios Sara Wingman é capaz de
reconhecer seu noivo, Stuart Galloway, pelo jeito de andar, “rápido e curvado
para frente”. Em seu mundo, explica Sara, aparência é irrelevante como forma de
atração. “Quando conheci Stuart, o que me atraiu foi sua conversa e sua
inteligência”, conta. Diagnosticada em 2010, sentiu alívio ao saber que não
estava apenas sendo “distante”, mas que era portadora de uma condição
neurológica. No trabalho, se esforça para reconhecer os colegas pela voz, pelas
roupas que usam, pela cor de pele ou pelo local de suas mesas no escritório.
No caso de Valerie, o diagnóstico tirou um grande
peso de seus ombros, oito anos atrás. Para compensar a “cegueira”, passou a
buscar pistas sobre a identidade das pessoas enquanto conversa com elas. “Meu
mecanismo de superação é sorrir e dizer ‘olá’ a todo mundo: é assim que eu lido
com a prosopagnosia”.
Embora a condição ainda não tenha cura, com a ajuda
de familiares e amigos os portadores de prosopagnosia conseguem, de alguma
forma, superar essa estranha “cegueira”.[Daily Mail UK]
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