quinta-feira, 22 de abril de 2010

Falta de dinheiro para remédios afecta um terço dos doentes crónicos


Um terço dos doentes crónicos admite que não compra remédios receitados pelo médico por falta de dinheiro, com maior ou menor frequência. Com um gasto médio mensal de 62,31 euros em medicamentos, mais de metade considera que esta factura representa um peso elevado ou muito elevado no seu orçamento familiar.
São os mais idosos e menos escolarizados os principais afectados (Hugo Delgado/arquivo)

19.03.2010 - 07:50 Por Alexandra Campos PÚBLICO
São os mais idosos e menos escolarizados os principais afectados por este problema. Esta é uma das realidades que emergem do estudo A Adesão à Terapêutica em Portugal, que hoje vai ser apresentado num simpósio sobre o tema, em Lisboa.

Foi a primeira vez que em Portugal se fez um inquérito de âmbito nacional sobre a forma como os doentes aderem às indicações dadas pelos médicos sobre os tratamentos a seguir. Coordenado pelos sociólogos do Instituto de Ciências Sociais (ICS) Manuel Villaverde Cabral e Pedro Alcântara da Silva e patrocinado pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), o estudo visou traçar um perfil das atitudes e comportamentos da população portuguesa relativamente à adesão à terapêutica, um problema de saúde pública muito estudado a nível internacional porque compromete a eficácia dos tratamentos e agrava os custos em saúde.

O factor económico não é o mais valorizado pelos 1400 inquiridos, quase metade dos quais acreditam ser o esquecimento o principal motivo que pode levar as pessoas a não seguir totalmente as indicações dos médicos. A este factor juntam-se a "preguiça em tomar medicamentos", não querer ou não gostar de remédios, ou adormecer antes da toma. Ainda assim, as restrições económicas representam mais de um quarto do conjunto das razões de natureza comportamental.

Outro dado curioso: o cumprimento declarado eleva-se a 8,78 numa escala de um a 10, o que significa que 88 por cento dos inquiridos afirmam aderir completamente à terapêutica. Mas, quando são confrontados com outro tipo de perguntas, nomeadamente a frequência com que não tomam medicamentos, percebe-se que a realidade é bem diferente. Basta ver que cerca de um quinto reconhece ter usado nos últimos cinco anos medicamentos receitados a outras pessoas (automedicação). E apenas um terço diz que nunca lhe aconteceu deixar de tomar algum fármaco tal como lhe foi prescrito pelo médico por motivo de esquecimento. Uma percentagem significativa admite, aliás, que isso lhe acontece com alguma ou muita frequência (28,4 por cento).

Muitos não vão ao dentista
Na subamostra de pessoas que têm ou tiveram problemas de saúde (doentes crónicos e doentes agudos graves e ligeiros), se um quarto diz prescindir de alguns medicamentos por não poder comportar os custos, é maior ainda a percentagem dos que abdicam de ir ao dentista por falta de dinheiro (28,6 por cento). A compra de óculos e as consultas médicas também são afectadas (21 e 18,4 por cento, respectivamente).

Villaverde Cabral reconhece que as restrições económicas invocadas são "preocupantes", mas nota que este factor não "é o único nem o mais importante" na resistência à terapêutica. Para contornar este problema, defende que o Estado pode actuar através dos medicamentos genéricos e da gratuitidade dos fármacos para os doentes crónicos, mas avisa que "a gratuitidade não é uma panaceia".

Do lado dos doentes, a mensagem mais importante é a de que é necessário multiplicar as associações e organizações formais e redes informais. "O capital social faz bem à saúde", declara.

Os custos da não-adesão à terapêutica estão estimados em 100 mil milhões de dólares (73 mil milhões de euros) por ano nos EUA. Só na área cardiovascular, calcula-se que a mortalidade decorrente da não-adesão suplante os 125 mil casos fatais por ano.

O estudo do ICS foi efectuado em 2008 junto de 1400 indivíduos representativos da população portuguesa (Continente), com 16 ou mais anos de idade, com uma sobre-representação dos indivíduos com 50 ou mais anos, face à sua incidência na população. O erro máximo da amostra é de 2,62 por cento, para um grau de probabilidade de 95 por cento.

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