terça-feira, 27 de abril de 2010
Mente de carne, funcionalidade aos pedaços
Algo específico e importante mudou dentro de cada uma dessas pessoas. Um homem com perfeita saúde sofre um acidente e passa a enxergar o mundo em preto e branco. Mesmo em seus sonhos, tudo carece de cor e a memória já não lhe traz nem por um segundo o azul do céu e o verde da alface.
Fonte: http://www.estado.estadao.com.br/
edicao/especial/ciencia/cérebro
Uma mulher sofre um derrame cerebral e torna-se incapaz de perceber o movimento dos objetos. Não nota a aproximação dos veículos quando decide atravessar uma avenida a caminho do trabalho. Um jovem é atropelado, bate a cabeça e perde a visão, mas não aponta o problema nem se mostra incomodado com a nova condição. Um trabalhador sério e competente torna-se um piadista compulsivo e perde a noção de ética depois que uma barra de ferro lhe perfura a região frontal do cérebro.
Esses exemplos, presentes na literatura médica, ilustram a especificidade e o refinamento das tarefas executadas pelo cérebro. Revelam ainda como são particularmente complexos os processos ligados à percepção dos fatos e à interpretação do que se passa no mundo real.
A fascinação exercida pelos pacientes com lesões cerebrais explica-se justamente pela chance que oferecem de desvendar mistérios da mente. Seus casos mostram ainda como é vulnerável o sistema que nos faz perceber a realidade. Uma lesão cerebral do tamanho de um grão de milho pode acabar com a carreira de um pintor ou transformar um outrora influente diplomata em autêntico pateta.
A ciência se debruça sobre o muro das inquietações. Os especialistas não conseguem, por exemplo, explicar exatamente onde está a diferença entre um gênio da física e seu irmão que chegou aos 40 anos de idade e ainda é incapaz de efetuar contas de dividir. À parte os fatores ambientais e culturais, onde residem os elementos diferenciais na constituição das habilidades e da inteligência? Como se forma a mente humana? Confunde-se com a alma ou se trata do resultado de eventos elétricos e químicos no cérebro? Poderá um dia a mente humana ser compreendida por ela própria?
As dúvidas são antigas. O homem da Antiguidade já fazia conjecturas sobre a origem de sua consciência. Entre os pré-socráticos, Empédocles afirma: "para os homens, o sangue que lhes flui à volta do coração é o pensamento". Para Platão, a mente estava na cabeça, uma esfera, a forma geométrica perfeita.
Aristóteles também acreditava que a mente vivesse no coração, centro de vitalidade e calor do corpo. Na Idade Média, já se imaginava que o cérebro fosse o abrigo da mente. No século 17, Descartes afirmou que a mente devia, de fato, residir no cérebro, mas como algo separado, imaterial.
Nos dias atuais, a tecnologia começa a solucionar alguns desses mistérios que atormentam os filósofos e cientistas há milhares de anos. As imagens obtidas por modernos equipamentos de emissão de positrons permitem conhecer as áreas do cérebro acionadas, por exemplo, quando se comemora uma vitória do time de basquete ou quando se grita de pavor com a imagem hitchcockiana da pessoa esfaqueada debaixo do chuveiro. Pode-se literalmente ver a formação do pensamento em manchas coloridas que se distribuem por áreas distintas do cérebro.
Os pacientes com lesões cerebrais são provas vivas da materialidade da consciência. Os vários distúrbios citados nos relatos médicos, mostram como as lesões podem resultar na criação de mundos alternativos, organizados mediante novas regras de percepção e interpretação dos fatos.
O estudo dessas áreas de processamento tem resultado em um mapeamento cada vez mais perfeito das funções cerebrais e hoje oferece o caminho para a cura de doenças e para a elucidação dos mistérios que dormem atrás dos olhos humanos.
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