Na maioria das manhãs, Michael Odongkara leva
sua filha, Nancy Lamwaka, para fora e amarra seu tornozelo em uma árvore.
Não é algo que ele gosta de fazer. Mas a
doença que leva a criança de 12 anos a ter ataques violentos já afetou tanto
sua capacidade mental que ela não consegue se controlar e geralmente acaba indo
para longe. Uma vez, ela ficou perdida entre arbustos por três dias.
“Dói muito amarrar minha filha em uma árvore…
Mas é porque quero salvar sua vida, sou forçado a isso. Não quero que ela se
perca e morra em uma queimada, ou se afogue nos pântanos próximos”, comenta.
Lamwaka sofre de uma síndrome com origem
desconhecida e sem cura. As autoridades da Uganda estimam que a doença já afeta
mais de três mil crianças do país.
A síndrome atinge pessoas entre cinco e 15
anos, e já matou mais de 200 em Uganda, nos últimos três anos. Milhares de
crianças também sofrem dela no sul do Sudão.
Os efeitos, parecidos com um ataque
epilético, geralmente são ativados ao ingerir comida, por isso aqueles com a
síndrome ficam subnutridos e mentalmente e fisicamente abatidos.
“Existe um efeito geral no sistema
neurológico, até a extensão que alguns podem ficar com a visão, a ingestão de
comida e até a percepção imediata do ambiente debilitadas”, comenta Emmanuel
Tenywa, da Organização da Saúde Global (OSG) em Uganda.
Enquanto o pai assiste sem poder fazer nada,
Lamwaka chora e começa a convulsionar. Saliva começa a sair da boca enquanto o
corpo inteiro entra em choque durante alguns minutos, até que ela finalmente
cai na poeira. A menina tem episódios como esse até cinco vezes ao dia, desde os
últimos oito anos, e sua saúde está muito debilitada. “Quando ela falava, ela
pedia comida”, afirma o pai. “Mas agora ela apenas estica a mão implorando por
comida”.
Poque isso acontece
A síndrome (nos Estados Unidos chamada de “nodding syndrome”, ou “síndrome do cumprimento”, devido ao movimento da cabeça durante as convulsões) foi primeiramente documenta na Tanzânia, em 1962. Cinquenta anos depois, os pesquisadores ainda não sabem o que ela é.
A síndrome (nos Estados Unidos chamada de “nodding syndrome”, ou “síndrome do cumprimento”, devido ao movimento da cabeça durante as convulsões) foi primeiramente documenta na Tanzânia, em 1962. Cinquenta anos depois, os pesquisadores ainda não sabem o que ela é.
“Nós temos uma longa lista de coisas que não
estão causando a doença. Nós ainda não temos uma causa definitiva”, afirma o
médico Scott Dowell. “Nós delimitamos, através de estudos de campo e testes de
laboratório, mais de três causas hipotéticas possíveis, incluindo 18 famílias
de vírus com centenas de membros”, comenta.
Apesar de não haver razões para acreditar que
a doença irá se espalhar, os pesquisadores nunca podem ter certeza. Dowell cita
a “doença da magreza”, que emergiu na África na década de 80 e acabou se
tornando o começo da AIDS.
Possíveis causadores
Os pesquisadores têm ideias de causadores da
doença: um é uma possível ligação entre o parasita que causa a cegueira dos
rios, ou oncocercose.
“Todos esses casos aconteceram em áreas onde
a oncocercose existe, por isso pensamos que existe uma relação grande entre os
dois”, afirma Tenywa.
Os pesquisadores planejam fazer testes
genéticos em amostras de pele das crianças para estabelecer a ligação. “Nas
próximas semanas tentaremos entender se o parasita é uma variante da
oncocercose ou se apenas parece isso”, comenta Dowell.
Os médicos também observaram uma deficiência
de vitamina B6 nas populações onde a doença prevalece.
Enquanto a causa da doença permanece
desconhecida, as autoridades estão focando no tratamento dos sintomas. Um
teste, que deve começar em maio, vai testar dois anticonvulsionantes, assim
como suplementos de vitamina B6. Algumas crianças afetadas já estão tomando
medicamentos antiepiléticos, com graus variados de efetividade.
“Penso que todos concordam que nesse estágio
é interessante termos uma ideia melhor de quais tratamentos estão funcionando e
se algum deles é perigoso”, comenta Dowell.
Os pesquisadores esperam um protocolo ser
aprovado na Uganda e nos Estados Unidos para teste, que vai incluir 80
crianças.
Amargor
Mas para aqueles que estão vivendo com a
doença e seus efeitos, tudo parece se mover muito lentamente. Em Uganda, a
frustração com o governo está crescendo.
“As pessoas estão muito amargas e pensam que
o governo as abandonou”, comenta Martin Ojara, coordenador do conselho de Acholi,
uma sub-região de Uganda onde a síndrome está mais concentrada.
Apesar do governo ter recentemente anunciado
um plano para estabilizar centros de tratamento e trazer trabalhadores da
saúde, alguns dizem que é um pouco tarde.
Um pedido de cerca de R$ 2,6 milhões, feito
pelo Ministério da Saúde da Uganda, para combater a doença, não foi incluso na
receita submetida para a aprovação do parlamento. O ministro das finanças, que
considerou o pedido tardio, instruiu as autoridades da saúde a realocar os fundos
que já existem até o próximo orçamento.
O governo sustenta que tem procurado a causa
e o tratamento para a doença desde que ela apareceu. “Houve muitas tentativas,
desde 2009, para saber qual é o problema e como pode ser solucionado”, comenta
Musa Ecweru, responsável pela parte de desastres e emergências no escritório do
primeiro ministro.
“Todos sabem que o governo não ficou de
braços cruzados. Temos feito de tudo para garantir que vamos superar essa
situação”, comenta.
“As crianças (com a síndrome) não podem ir
para a escola e não possuem futuro”, comenta Anywar. “Os pais dessas crianças
doentes estão traumatizados por uma doença desconhecida, e literalmente
perderam a esperança”.
Pegando fogo
Crianças com a síndrome estão mais sujeitas a
acidentes como afogamento e incêndios, devido aos problemas mentais, e muitas
das fatalidades são resultados dessas causas secundárias.
Desde que contraiu a doença, Lamwaka já
passou por muitos incidentes. Seu corpo está cheio de machucados de quedas, e
existem manchas rosas em suas mãos, pois caiu recentemente no fogo, quando
ambos os pais estavam longe.
“Ela não sabe que está pegando fogo, que ela
vai queimar até que alguém chegue e tire ela de lá”, comenta seu pai.
Ele admite que parou de levá-la ao médico. “Mesmo
que eles nos dêem remédios, eu não acho que isso vai ajudar”, afirma Odongkara.
Sentada em uma sombra próxima está sua mãe,
Jujupina Ataro, de 72 anos. Ela tem três netos com a doença e passa boa parte
do tempo dando banho, alimentando-as, e até limpando suas fezes, já que as
crianças não conseguem mais usar o banheiro.
Ela diz que muitos de seus vizinhos e amigos
também têm crianças com a síndrome. “Eu conheço tantos nessa região. Se um
médico aparecesse você veria quantos existem… É incontável”, comenta. “É como
se a geração estivesse afetada”. [Reuters]
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