Nossa história começa no ano de 1926, com o
neurologista Constantin von Economo. Ele examinou células neuroniais e
encontrou um grupo de células diferentes das outras outras células neuroniais.
Em vez do aspecto piramidal, elas tinham uma forma alongada, e eram entre 50% e
200% maiores que as demais células.
A princípio, ele pensou que se tratava de uma
patologia, uma doença, mas ao encontrar as mesmas células em outros cérebros,
inclusive de animais diferentes, ele chegou à conclusão que deveriam ter alguma
função; alguma coisa relacionada ao olfato e paladar, já que eram sempre
encontradas nas mesmas duas estruturas envolvidas com estes sentidos.
Mas a época era ingrata: ele não tinha como
investigar mais a fundo estas células, portanto voltou-se para outras linhas de
pesquisa mais promissoras. Não sem antes dar seu nome às células, os neurônios
de von Economo (VEN na sigla em inglês). Oitenta anos depois, os pesquisadores
Esther Nimchinsky e Patrick Hof, trabalhando na Universidade Monte Sinai, em
Nova Iorque (EUA), se depararam estes estranhos neurônios. E depois de uma
década de imageamento funcional e estudos post-mortem, a história destas
células está sendo montada.
Algumas linhas de evidências sugerem que elas podem
ajudar a contruir a nossa rica vida interior, que chamamos de consciência,
incluindo as emoções, nosso sentido de “eu”, empatia, e a capacidade de navegar
pelos relacionamentos sociais.
ACC e FI
Antes vamos dar uma espiada na região em que os
VENs são encontrados, o Córtex Cingulado Anterior (ACC, de Anterior Cingulate
Cortex) e a Ínsula Anterior (FI, de Fronto-Insula). Estas duas regiões
apresentam atividade quando percebemos algumas pistas socialmente importantes,
como uma cara fechada, um esgar de dor, ou quando ouvimos a voz da pessoa
amada.
Quando uma mãe ouve um choro de bebê, a resposta
nestas regiões é muito forte. Elas também apresentam atividade quando
experimentamos emoções como amor, desejo, raiva ou tristeza. Para o
neuroanatomista John Allman, do Instituto de Tecnologia Califórnia em Pasadena
(EUA), eles se somam a uma “rede de monitoramento social”, que detecta as
pistas sociais e permite que mudemos nosso comportamento de acordo.
Estas duas áreas também parecem exercer um papel
importante na rede que mantém um controle subconsciente do que está acontecendo
ao nosso redor e direciona nossa atenção aos eventos mais importantes, além d
monitorar as sensações do corpo para detectar quaisquer mudanças.
Além disso, as duas regiões ficam ativas quando uma
pessoa reconhece seu reflexo no espelho, sugerindo que estas partes do cérebro
estão subjacentes ao nosso sentido de “eu” – um componente chave da
consciência.
Os VENs podem ser importantes para isto tudo, mas
as evidências que os pesquisadores têm ainda são apenas circunstanciais, apesar
de importantes. Avançar na compreensão dos VENs envolve encontrar estas células
e medir a sua atividade em um cérebro vivo, o que ainda não foi possível.
VENs
No cérebro, maior geralmente significa mais rápido,
e como estas células são grandes, existe a suspeita de que elas estejam
envolvidas em algum tipo de circuito que envolva a transmissão rápida de sinais
importantes. No caso, sinais que estão relacionados à nossa vida social.
As pistas do funcionamento dos VENs pode ser
encontrada também nas patologias caracterizadas pela falta ou excesso destas
células. De fato, há uma forma de demência que ataca as pessoas com cerca de
trinta anos, caracterizada por uma apatia social, ou falta de empatia e
autocontrole. Você pode mostrar para estas pessoas uma foto de um acidente
horrível e elas nem mesmo piscam. O cérebro dessas pessoas praticamente não tem
VENs.
Outro grupo que tem alteração nos VENs são os
autistas, que se dividem em dois grupos: os que têm muito poucos VENs e os que
têm demais. Esquizofrênicos que cometem suicídios tem também, em geral, muito
mais VENs no seu ACC que os que morrem de outras causas.
Outra pista é o comportamento de animais que também
têm VENs, como chipanzés e gorilas, elefantes e algumas baleias e golfinhos.
Todos são animais que vivem em grandes grupos sociais e apresentam o mesmo tipo
de comportamento avançado associado aos VENs nas pessoas. Elefantes mostram
sinais que se parecem demais com empatia, pois trabalham juntos para ajudar
membros feridos, perdidos ou aprisionados, por exemplo. Mostram até mesmo
sinais de tristeza em “cemitérios” de elefantes. Além disso, estas espécies
reconhecem a si mesmas no espelho, o que é tomado como um indício de
consciência.
Mas os VENs também aparecem em espécies não
especialmente sociais, como manatis e girafas. Também aparecem em saguis e
outros macacos dos quais não temos certeza se se reconhecem no espelho, embora
sejam animais sociais. Uma possibilidade é que a expressão dos VENs nestes
animais seja mais primitiva que nos outros mamíferos. Estas diferenças também
podem oferecer pistas sobre como estes neurônios evoluíram.
Além disso, os VENs parecem estar associados a
julgamentos morais e ao paladar e olfato. Curiosamente, a reação que temos para
algo moralmente condenável é muito parecido com a reação a algo que cheira mal,
ou tem gosto ruim. Talvez não seja por acaso que dizemos que algo “não cheira
bem” quando parece ser algo condenável.
A
consciência, um acidente
Entretanto, somente em animais altamente sociais os
VENs vivem exclusivamente nas regiões do olfato e paladar. Em girafas e hipopótamos,
por exemplo, os VENs parecem estar espalhados por todo o cérebro. Uma
compreensão genética da origem destas células pode explicar esta diferença.
Baseados nas evidências que têm, os cientistas
acreditam que os VENs dos ancestrais estavam mais espalhados, como no cérebro
do hipopótamo, e no curso da evolução eles migraram para o ACC e o FI em alguns
animais, mas não em outros. A razão para esta migração é desconhecida; talvez a
pressão seletiva que moldou o cérebro dos primatas tenha sido muito diferente
da que afetou a evolução de baleias e golfinhos, por exemplo.
Um ponto interessante é que quanto maior o cérebro,
mais energia ele consome, então é importante que ele funcione o mais
eficientemente possível. Um sistema que monitore continuamente o ambiente e as
pessoas ou animais nele teria uma vantagem, permitindo rápidas adaptações a uma
situação para economizar o máximo de energia. E o fato que o cérebro está
constantemente atualizando esta imagem de “como eu me sinto agora” talvez tenha
um efeito colateral interessante: o conceito de que há um “eu” para sentir as
sensações. Segundo os cientistas, “a evolução produziu um cálculo muito
eficiente de momento a momento do uso de energia e este tem um epifenômeno, um
subproduto que forneceu uma representação subjetiva dos sentimentos”.
Se eles estiverem corretos – e ainda há um longo
caminho a percorrer antes de termos certeza -, há uma grande possibilidade de
que, longe de ser o ápice da evolução do cérebro, a consciência talvez seja um
grande acidente.[New Scientist]
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