sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Os segredos da mente. O cérebro é adaptável e capaz de se reorganizar


Atividades complexas ou inovadoras são a melhor forma de exercitar o cérebro. Jogar xadrez sempre foi considerado um bom exercício cerebral, porque exige concentração e capacidade de inventar saídas para novas situações.

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Outra maneira apontada pelos especialistas é a leitura. “Quando alguém lê, está criando novas imagens, aprendendo novos conceitos e até exercitando a fala”. diz Ivan Izquierdo, da UFRGS. “Enquanto as pessoas lêem, músculos da língua quase imperceptivelmente se mexem” Para expandir as ligações cerebrais o ideal é não desistir da leitura de textos um pouco mais complicados.

Outra maneira é viajar para lugares desconhecidos e surpreendentes. Até mesmo arrumar os móveis da casa de outra forma é uma tarefa estimulante para a atividade cerebral. Poucas experiências são tão desafiadoras para o intelecto quando aprender uma nova língua. Ela provoca uma reação em cadeia no cérebro, que se vê convidado a criar novas combinações para decifrar e armazenar palavras até então desconhecidas. São essas novas conexões, geradas pelo desafio diante da novidade, que aumentam a capacidade do intelecto de trocar informações consigo mesmo.

Alargar fronteiras - Numa pesquisa recente feita nos Estados Unidos, o neurocirurgião George Ojemann, da Universidade de Washington, mediu com eletrodos reações cerebrais em pessoas bilíngües. Primeiro, pediu que elas pensassem determinadas palavras em diferentes idiomas sem pronunciá-las. Depois, propôs que repetissem a experiência lendo essas mesmas palavras em silêncio e repetindo-as em voz alta.

Em cada etapa da experiência, os neurônios ativados pelo cérebro eram diferentes. A mesma palavra pensada, lida e repetida em voz alta em inglês e espanhol, por exemplo, gera seis diferentes respostas no cérebro. “O mesmo neurônio que é ativado quando se ouve uma palavra não reage quando ela é pronunciada em voz alta”, explicou Ojemann. A conclusão é óbvia: uma pessoa alfabetizada e poliglota, que consiga ler e falar em diferentes idiomas, tem uma capacidade cerebral multiplicada várias vezes em relação a outra, analfabeta, que mal consiga expressar-se verbalmente num único idioma. Estudar, portanto, é a forma mais eficiente de alargar as fronteiras da mente humana.

O avanço nos estudos sobre o cérebro já permite à medicina grandes vitórias no tratamento de vários problemas e doenças. Antigamente, acreditava-se que cada tipo de informação ou função cerebral era concentrado em uma região particular do cérebro.

Hoje, sabe-se que cada célula pode desempenhar múltiplas funções, embora haja alguma especialização. Dados ligados à emoção são mais armazenados no hemisfério direito do cérebro, enquanto os ligados à razão e à linguagem ficam do lado esquerdo. Mas sua maleabilidade permite a adaptação a situações, como uma lesão decorrente de um acidente.

Um caso exemplar é o do locutor Osmar Santos, que perdeu parte da massa encefálica trombada de automóvel, em 1994. Hoje, graças a exercícios específicos para recuperar a atividade cerebral, ele já se comunica por gestos e até recobrou um vocabulário incipiente. “O cérebro é adaptável e capaz de se reorganizar”, diz o neurocinirgião Jorge Pagura, que foi Secretário de Saúde do município de São Paulo e que participou do tratamento de Osmar, “Quando parte dele sofre algum tipo de lesão, outras áreas passam a compensar a falha.”

O maior salto científico, no entanto, está no terreno da memória, a ferramenta mais essencial do cérebro. Antes também se acreditava que a memória de longo prazo e a recente eram formadas em lugares distintos do cérebro. Uma outra teoria sustentava que a memória de longo prazo seria um resquício da memória recente. Estudos realizados pela equipe do professor Ivan Izquierdo, no Rio Grande do Sul, que estão sendo publicados numa série de artigos na revista científica britânica Nature, chegaram a uma conclusão diferente. Eles mostram que ambos os tipos de memória se formam nas mesmas células, mas de forma independente.

O cérebro cria uma memória que dura apenas seis horas, para o caso de precisar da informação logo em seguida. E cria outra que pode perdurar, a vida inteira. São registros vivos, impressos nas proteínas que formam o conteúdo das células. Eles vão se modificando com o tempo. “O cérebro é essencialmente dinâmico e funciona como uma biblioteca onde sempre cabem mais livros”, explica Cláudio Guimarães, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. A memória é capaz de descartar dados considerados irrelevantes, ou resgatar dados praticamente perdidos quando eles se tornam cruciais. “Quanto mais informações são ali armazenadas, mais ágil o cérebro se torna para localizar o estoque antigo”, diz Guimarães. O melhor conselho para quem quer turbinar o próprio cérebro, portanto, é: use e abuse.

Reportagem publicada na
Revista Veja - Editora Abril
Edição 1560
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