Há cada vez mais decisões dos tribunais a condenar médicos e enfermeiros que provocam lesões nos doentes. Mas as indemnizações são baixas e os processos demorados.
http://www.deco.proteste.pt/saude/negligencia-e-erros-medicos-s508231.htm
Uma menina de 7 anos entrou no Hospital Distrital de Famalicão com febre alta e manchas vermelhas na barriga e pescoço. A médica atribuiu as manchas a uma alergia e medicou-a para a febre. Como esta permanecia alta, passou a noite no hospital. Entre as 4 e as 8 horas, apareceram-lhe manchas azuladas no corpo, mas só de manhã foi vista por um médico. Enviaram-na para um hospital do Porto, onde morreu, vítima de uma meningococemia fulminante. O tribunal considerou que houve falta de zelo e condenou o hospital a pagar 65 mil euros.
Esta sentença é um sinal de mudança. Os portugueses deixaram de encarar o médico enquanto ser infalível e o acidente como mera fatalidade. Quando algo corre mal, todos querem saber se foram seguidas as regras e os profissionais de saúde agiram de forma diligente. Mas, por vezes, também se cai no exagero de tentar encontrar um culpado, mesmo que este não exista. A medicina não é uma ciência exacta e existem muitas doenças sem cura.
As mais recentes decisões mostram que os tribunais têm procurado compensar as vítimas de intervenções deficientes. Também alguns peritos, quando é caso disso, começam a criticar o comportamento dos colegas. O panorama está a mudar, mas persistem situações em que é difícil provar a culpa do pessoal médico. Os tribunais ainda demoram muito tempo a decidir.
Torna-se necessário criar um regime em que a indemnização dos danos sofridos pelos utentes dos serviços de saúde seja coberta por seguros de responsabilidade civil.
Sem o dever de curar
Quando recebe um doente aos seus cuidados, o profissional não se compromete a curá-lo. A sua obrigação é tão-só fazer tudo o que estiver ao seu alcance, segundo os conhecimentos da medicina e com os recursos disponíveis, para que tal aconteça. Na prática, tem uma obrigação de meios e não de resultados. Porém, existem casos que, pela sua simplicidade, só podem ter como desfecho a cura do doente.
Convém ter a consciência de que erro e negligência não são sinónimos. No primeiro caso, os profissionais agem com todos os cuidados para que o doente receba o tratamento adequado. Ainda assim, os resultados não são os esperados. Já no segundo caso, não têm o zelo exigido, nem cumprem as regras da sua profissão. O erro nem sempre é punido, ao passo que a negligência justifica censura. Se causar danos, o doente pode ser indemnizado.
Mas um mau resultado também não prova que tenha havido mau diagnóstico ou mau tratamento. Para um profissional ser condenado, não basta que o doente prove ter sofrido danos: tem de estabelecer uma relação entre o acto praticado e os problemas sofridos.
As decisões mais frequentes dos tribunais referem-se a profissionais do serviço público e ao regime de responsabilidade do Estado e pessoas colectivas públicas (por exemplo, hospitais estatais e centros de saúde). Este regime diz o seguinte:
se os funcionários tiverem culpa, são responsabilizados os estabelecimentos de saúde. No caso de a culpa ser grave, podem depois exigir-lhes o equivalente às indemnizações pagas;
a responsabilidade é tanto das entidades como dos funcionários se os actos tiverem sido praticados com dolo, ou seja, com intenção de provocar o dano;
o responsável será apenas o funcionário se exceder o limite das suas funções.
Justiça lenta
As indemnizações s‹o reduzidas e estão longe das que ocorrem noutros países. Há uma tendência para valorizar os danos patrimoniais, mais fáceis de contabilizar (por exemplo, gastos com tratamentos). Mas também são avaliadas as quantias que o doente poderia ter ganho se não tivesse ocorrido o problema. O cálculo é feito por baixo. No entanto, o montante é, em regra, superior ao atribuído quando ocorre a morte do doente.
Por exemplo, o Supremo Tribunal Administrativo teve de apreciar o caso de uma criança cujo parto não correu bem e ficou com uma paralisia cerebral. Em primeira instância, o hospital foi condenado a pagar cerca de € 330 mil, 280 mil dos quais referentes ao que deixaria de ganhar, dado que nunca poderia trabalhar em adulta. O hospital recorreu da decisão e, entretanto, a criança morreu. O tribunal reduziu, então, o valor para 35 mil euros. Por um lado, não seria necessário compensar a perda da vida activa. Por outro, o sofrimento era menor, dado que só tinha vivido seis anos.
Trata-se de um problema frequente na justiça portuguesa. Não é raro que o responsável pelo pagamento dos danos procure protelar a decisão final, na expectativa de desembolsar o menos possível. Tudo isto contribui para um penoso arrastar dos processos em tribunal. Em quase todos os casos que analisámos, é bastante longo o período entre os danos sofridos e a sentença definitiva. Por vezes, o doente morre sem receber a indemnização a que teria direito. A situação é injusta: a morte da vítima acaba por reverter a favor dos responsáveis.
Em alguns países da Europa Ocidental, pelo contrário, existem sistemas que permitem analisar estes casos fora dos tribunais, através de comissões especialmente criadas para o efeito. O objectivo não é encontrar o culpado, mas decidir se há direito a indemnização e qual o seu montante. O doente é compensado e o profissional de saúde não fica sujeito a nenhum processo de "caça às bruxas". Tais sistemas facilitam a vida ao lesado, evitando que este tenha de demonstrar as falhas para ser indemnizado, sobretudo porque as provas nem sempre são fáceis de conseguir sem a colaboração de outros profissionais de saúde.
Hospitais portugueses no banco dos réus
O Supremo Tribunal Administrativo tem sido chamado a decidir vários casos com hospitais públicos. Destacamos cinco sentenças.
Uma doente foi operada à vesícula no Hospital Universitário de Coimbra. Tornada a casa, sentiu uma indisposição. Foi ao centro de saúde e o médico enviou-a para o hospital, onde fez nova operação, para remover líquidos que tinham ficado da primeira. Sofreu uma paragem cardíaca, esteve em coma profundo e passou a viver em estado vegetativo. A família acusou os médicos de mau desempenho. Já o tribunal considerou impossível determinar a causa da paragem cardíaca e absolveu os réus.
14 de Abril de 2005
Um doente foi operado no Hospital de Santa Maria (Lisboa), para tirar um hematoma no baço. Algum tempo depois, começou a sentir dores e picadas no abdómen, mas disseram-lhe que era normal. Mais tarde, deslocou-se a outro hospital, onde lhe fizeram uma radiografia e descobriu que os médicos se tinham esquecido de um dreno. Estes quiseram operá-lo, mas preferiu o Hospital de Santarém. Tendo em conta o sofrimento de 10 meses, o de Santa Maria foi condenado a pagar-lhe 10 mil euros.
29 de Junho de 2005
Um bebé de 2 meses foi operado no Hospital de Santa Maria, para extrair o rim esquerdo, mas retiraram-lhe o direito. Por correr perigo de vida, passou a fazer diálise diária. O rim esquerdo teve de ser removido nove meses depois e o bebé sujeito a um transplante. O hospital teve de pagar € 40 000 criança e € 7 500 a cada um dos pais pelos danos morais, bem como as despesas com viagens e alojamento, medicamentos e consultas e as quantias que o casal deixou de ganhar para acompanhar o filho.
29 de Junho de 2005
Um doente de 62 anos foi operado a um aneurisma no Hospital de Santa Maria. Depois, começou a notar alterações na visão do olho esquerdo. Queixou-se à enfermeira e foi visto por um oftalmologista. Cinco dias mais tarde, foi diagnosticada a infecção por uma bactéria existente nos cuidados intensivos. Acabou por perder a visão. Ficou provado que o hospital tomou medidas para reduzir o número e o risco de infecções e que o doente se encontrava muito vulnerável. Mas não tinha sido feito tudo para erradicá-las dos cuidados intensivos. O hospital teve de pagar 15 mil euros.
29 de Novembro de 2005
Uma menina de 7 anos entrou no Hospital Distrital de Famalicão com febre alta e manchas vermelhas na barriga e pescoço. A médica atribuiu as manchas a uma alergia e medicou-a para a febre. Como esta permanecia alta, passou a noite no hospital. Entre as 4 e as 8 horas da madrugada, apareceram-lhe manchas azuladas no corpo, mas só de manhã foi vista por um médico. Enviaram-na logo para um hospital do Porto, onde morreu, vítima de uma meningococemia fulminante. O tribunal considerou que houve falta de zelo e condenou o hospital a pagar 65 mil euros.
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